Pequenos e
grandes terremotos
dentro de si
Se desfaz em mil pedaços
enquanto a melancolia entra
por cada fresta.
O peito, em ansiedade,
sufoca em falta de ar
será a asma
ou o medo antigo
de nunca vencer na vida?
A ansiedade a acorrenta.
Se vencê-la e ainda assim perder,
os piores medos se concretizam:
a certeza de ser uma perdedora.
Talvez seja só a manhã sólida
rodando o relógio rápido demais,
fazendo o dia virar noite
antes que vença os próprios movimentos.
Procrastina.
O nada vira exuberância.
O ano começa no aniversário
com a pilha de roupas,
a pilha de pensamentos
se acumulando...
Na manhã, todos os movimentos
ficam perceptíveis demais.
O mundo pesa.
A cabeça pesa.
Por ter nascido mulher e preta,
o medo nunca foi novidade
Na escrita, exacerba o derramar do âmago.
Pensa em gritar, pela primeira vez.
Mas as quatro paredes do escritório a impedem.
O chefe. A colega.
Os e-mails chegando aos montes.
Os boletos. As faturas.
A sobrevivência.
Tudo a impede de fugir.
Algo sempre arrasta.
Esse estranhamento de si
volta com frequência assustadora.
Talvez tudo seja lembrança
de uma velha grisalha
folheando fotografias.
Talvez seja só preciso
voltar a obedecer.
Concordar.
Balançar a cabeça.
Duela com demônios
Tenta desfazer o caminho
de volta à depressão.
Entende que precisa ser exigente,
porque leve nunca consegue ser.
A postura não se ajeita
O olhar não se enquadra
O ar é frio demais
ou quente demais
O coração dispara ao ouvir o próprio nome
Tudo parece prestes a explodir
A depressão festeja as lágrimas
engole quando desiste do prazer
espera que você odeie tudo,
todos,
que enlouqueça
E então,
a vida corre no calendário
Se vê de fora,
criatura medonha na vitrine do próprio julgamento.
sua juíza mais cruel
Existem lacunas,
um distanciamento sorrateiro de si
Navega por mares rasos
Círculos confortáveis entristecem
Mãos atadas
A velha paixão exaurida
Odeia o tempo
Mas é obcecada por relógios
Odeia a impotência diante do tempo
Quer não mais habitar esse lugar
Gritos mudos sobrevoam sua cabeça
Fecha e abre abas,
sempre de olho no relógio,
como se travasse uma guerra
contra os minutos
O dia escorreu por seus dedos
Negou-se o descanso
Negou-se os elogios
Nunca entendeu o próprio merecimento
Desceu alguns degraus
em direção à loucura
O olhar cansou
Morreu a menina
Tenta se lembrar
se aproveita o tempo certo
Provavelmente não
Poucas vezes relaxou
É tudo culpa do relógio
Deita em posição fetal
na cama torta,
ao lado da parede com mofo
Permite que a hora avance
Não sabe quem deveria ser
Queria o tempo nas mãos
Os pensamentos se nublam
Conhece cada canto
do lugar escuro da própria mente
Morou ali tempo demais
Odeia cada centímetro,
mas é cansativo sair.
Esse lugar a engole
Não pode dar passo em falso
Tudo pode desmoronar
O grito sobe do peito à garganta
O ponto de ruptura se alastra
Há um ponto cego em seus passos
A própria existência a estranha
Exige demais
Entrega seus prazeres e dores
Quer nunca mais sentir medo
Quer não se sabotar tanto
Quer libertar a versão enclausurada
na cadeira de escritório
Julga ter falhado em tudo
É massacrante
Uma hora vai dar certo
Talvez não dê tempo
Quer um intervalo
entre a ansiedade de ontem
e a de hoje
Não há linha de chegada
Em estado de alerta permanece
Não quer se acostumar
Inspira o desassossego
da parede dessa mente
Um lembrete
E toda vez que algo externo acontece,
ela se cala.
Engole a raiva
Conta os segundos
Dentro de uma bolha cínica
moldou o próprio mundo
A inércia não é aceita
O ócio é crime
O relógio é erva daninha,
lembrança viva
de que o tempo acaba
Máquina de moer
cada resquício
de sanidade