sábado, 23 de novembro de 2024

Incessante luz
desencadeou meu coexistir,
nessa longínqua estrada
do desinquieto.

Sede por mim
transborda, inunda, invade—
mas sucumbir, nunca.
Nunca foi opção.

Retorno.
Emergir, existir
para além do fundo,
do fundo de mim mesma.
Tomar ar.

Reviver.
Curar cicatrizes, aliviar dores do passado.
Estou do outro lado,
e daqui balanço os ombros,
abraço o meu perdão,
e beijo as feridas.

E não—
não aceito ser outra.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

porta

(...) devagar abriu a porta de casa e sentou na cadeira posta na calçada.

puxou seu baeta para cobrir os olhos e fingiu cochilar, mas com rabo de olho observou a viúva passando com seu rebolado. 

"êtaviuvaboa"

"o que disse seu velho?"

"é uva da boa" — emendou com uma risada. 

"tome tento, seu João" 

sorriu e voltou a encostar a coluna na parede. de longe avistou sua menina:

"vá tomar banho. se arrumar, ficar bonita. hoje o pai vai te levar para passear, minha menina"

e ela foi saltitante pra dentro de casa. e sorriu de novo. hoje não teve vontade chorar. 

o velho pai da menina não se trancou. não chorou. não assustou a menina. estava tudo bem.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

estou sempre com medo de estar perdendo algo lá fora.

constantemente estou atualizando redes sociais, buscando informações, buscando entretenimento, saber o assunto do momento, estar disponível para ler, interpretar, criar opinião. ocupar minha mente. o tempo ocioso é recriminado; a inércia não é aceita. preciso estar em movimento. preciso? 

dormi tarde demais. erro. acordei tarde demais. erro. fiquei 53 minutos parada sem fazer nada. erro. não aproveitei cada segundo do tempo livre. erro. não me atualizei, erro. fechei o aplicativo. erro. não abri o aplicativo. erro. 

mas será que realmente eu preciso estar tão conectada? tão aflita com o que anda acontecendo no mundo? na esquina de casa, na roda de conversas ao lado, na mente das pessoas?

como uma erva daninha o relógio incita minha ansiedade por mais. movimento. constante movimento de que "vai acabar e você não aproveitou", mas acabar o que? seus dias, seus anos, sua juventude, sua saúde, seus planos, sua expectativa de vida. 

respira. respiro. concordo com o ato de desconectar minha mente só um pouquinho. só um pouco antes que tudo vire uma máquina de moer cada resquício da minha sanidade.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

memória

quero lembrar das coisas boas que vivi neste agosto de 2024.

quero lembrar de toda beleza que presenciei, tudo aquilo que me tocou tão profundamente que despertou algo em mim tão... único. parece pouco colocar em palavras as coisas bonitas que senti, as vezes olho vídeos, fotos, sem acreditar e percebo que não faz jus a tudo que senti naquele lugar. 

meu sorriso largo nas fotos denuncia que estava em um daqueles momentos que você tem certeza que está vivendo algo bom, inesquecível, quieto, calmo, silencioso, do jeitinho que gosto de ficar as vezes. 

você tem certeza que vai demorar para acontecer de novo, você não sabe se vai acontecer de novo ou como, por isto, você revive na memória o cenário, as cores, o ar gelado e os sons. 

do meu lado direito um rio corria com um destino que eu desconheço, no céu eu vi pássaros correndo um céu tão azul que não parecia real. uma pintura, um desenho, uma arte. em meu peito a sensação de calmaria, aguda, eloquente e tão boa. ah, tão boa. 

foi a primeira vez na vida que abri a câmera do celular e não concordei com o que me mostrava. eu balançava a cabeça e abaixava o aparelho celular sem acreditar. não. aquilo não transmitia um por cento do que eu estava vendo, sentindo, presenciando. era maior. 

a experiência de quase morte que meus pulmões alcançaram valeram a pena. quero fechar os olhos e voltar para aquela calmaria, encontrar lá, naquela memória tudo aquilo que busco aqui, na rotina dos meus dias: mar calmo. 

segunda-feira, 3 de junho de 2024

cicatriz

 na minha mão esquerda tenho uma cicatriz. faca. uma briga na infância com meu irmão. provavelmente um tempo em que eu deixava escoar minha raiva para fora do peito. um tempo em que eu conseguia falar. 

toda vez que algo externo me incomoda eu me calo. não falo. engulo em seco e crio cicatrizes invisíveis no peito. 

eu me pergunto como isso aconteceu. como aconteceu isto de não conseguir falar quando algo me irrita tanto, me incomoda, normalmente se aloja em meu peito e garganta a vontade de gritar e deixo que fique assim por dias e dias. as vezes eu espero sumir. as vezes eu me despejo em lágrimas. 

você realmente não percebe seu meio né? você realmente não sabe a resposta para todos esses olhares? 

em que bolha cínica você acredita que se moldou essa sociedade? 

aprendi da pior forma possível a interpretar. entender. 

mas eu? eu tolero tudo. calada. obediente. ridícula. 

a cicatriz na mão me lembra que já fui alguém menos cordial. talvez mais real. 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

desconfortos

 hoje de manhã eu tive uma crise de ansiedade e com ela espirros. veio um ataque de rinite também. se juntou a tudo isso um sono descomunal e uma sensação de que estou perdendo tempo. mas o que exatamente? para onde estou indo? ah é a ansiedade de novo falando comigo. uma nova onda de espirros, coceira no nariz, ah rinite dessa vez, um bocejo, sono, muito sono acumulado. noite passada fui dormir tarde de novo. respirar fundo. ah. 

constantes desconfortos. 

domingo, 31 de março de 2024

A filha obediente

 A filha obediente vai à igreja aos domingos. Fala amém para as atrocidades dos pais. 

A filha obediente nunca retruca, nunca questiona, nunca vai contra, porque está em dívida com eles. Em débito. 

A filha obediente nunca da trabalho desrespeitando. 

A filha obediente engole tudo porque cansou de tentar entendê-los. 

A filha obediente é pássaro dentro de uma gaiola da mente, onde tem medo de voar. De sair. De não estar mais neste lugar. A filha obediente julga o lar confortável, mas cresceu demais e não cabe mais ali. 

A filha obediente precisa sair dali. 

segunda-feira, 18 de março de 2024

desinquieto

 queria conseguir falar.

falar tudo aquilo que me incomoda. desinquieta o peito. queria conseguir organizar as ideias em estantes. como livros.

colocar por ordem alfabética ou por cor, o desinquieto que me incomoda. ou quem sabe criar tópicos. sou ótima criando tópicos. 

quem sabe colocar numa planilha de Excel e ir ticando cada vez que eu conseguir resolver um desinquieto diferente. as vezes solto o ar do peito e ainda parece que falta, sabe? falta dar um gritinho para conseguir prosseguir. aqui. sã e salva. funcionando dentro do moinho da vida. onde me adequo melhor.

mas daí o desinquieto vem, vai. tinge tudo com sua ventania de desordem e me leva junto. 

parei de tomar antidepressivos. de novo. estou feliz, tentando me manter viva. corrente, corriqueira, mas o desinquieto no peito me sonda, dá voz de comando e enumero em tópicos:

  • me manter viva
  • me manter viva
  • me manter viva
  • me mandar real
  • viva
  • não cair em esquecimento de quem sou
  • não sucumbir
  • não me negar
  • me amar de novo
  • não voltar a me odiar
  • me manter viva

domingo, 22 de outubro de 2023

luz que irradia da minha mente. 

sândalo, vozes, gostos, olhares, texturas, incômodos.

prostada na cama me reviro entre delírios irreais do que fantasio sobre minha vida. almejo me derreter na escrita, mas fujo dela, pois me julgo incapaz, ruim, péssima, criança, infantil, corriqueira e aprendiz.

mas diálogos se formam em minha mente e todas vezes tenho que lutar para eles se calarem e darem espaço para o silêncio ou a música ensurdecedora da playlist. vivo em constante corda bamba entre a sanidade e o desejo de desaparecer daqui. dessa cidade que me trouxe ao mundo. vivo com vontade de tudo e sem coragem de nada. vivo como se rotinas corriqueiras fosse tudo que eu precisasse para manter a sanidade, mas detesto tudo isso. 

canso. estremeço ao toque do despertador. cansativo e exaustivo fingir sorrisos, digitar e-mails, atender telefones, beijos e abraços em quem não morro de amores. é irreal e exaustivo existir corporativamente falando. eu desejo outra coisa.

queria me derramar por inteira em hobbies, em viajar o mundo, em desfazer malas, em escrever romances, em sibilar arrepios e provar drinks caros. qualquer interação humana que fosse porque quero e não porque preciso. ou simplesmente não ser obrigada a falar. simplesmente me calar diante do mundo e aproveitar o nascer do dia sem me preocupar tanto com o relógio. parece meio surreal que tanta gente viva tão intensamente assim em redes sociais. invejo. ah, como invejo.

constantemente desapareço dentro de mim, dessa cabecinha fantasiosa que não para de estar em outro lugar e daí quando submerjo encontro outra pessoa, meus movimentos são lentos, cautelosos e nostálgicos. reconheço tudo, já estive aqui e respiro fundo. 

desejo abrir janelas, fechar os olhos e apreciar a paz de ter uma vida sem pressa ou solidão. 

mas daí me lembro que essa é minha vida e sempre fui assim. um nó. um ponto fora da curva. um destoante som agudo, um ponto fora da linha, um tom tingido de vermelho na imensidão do contraste do céu azul. 

essa sou eu.


 

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

acontece uma coisa meio louca dentro da minha cabeça.

as vezes esqueço que posso ser bonita. me encaro no espelho, me esqueço e não me reconheço. procuro quem é essa mulher me olhando de volta no espelho e não sei quem é. essa falta de reconhecimento é recorrente e preocupante, porque já enfrentei uma forte dissociação no passado.

daí, como uma espécie de eufemismo egocêntrico busco fotos minhas em redes socias e fico olhando. identificando defeitos, buscando vida, buscando eu, buscando a criatura que sou, fui, vou ser. e daí, as vezes, excluo fotos, porque sei lá. nem me identifico mais.

acontece também com frequência eu ser outra pessoa. essa pessoa são várias, porque são personagens que criei: falam, vivem, amam e fodem dentro da minha cabeça. porque eu crio personagens desde criancinha. desde que entendi que amava a escrita loucamente, desde que me trancar no meu quarto para abafar os berros de brigas dos meus pais e criar a outra dimensão dentro da parede me protegeria do mundo. 

e daí eu lembro que não sou mais essa menina. essa criança. sou essa mulher de 30 anos e preciso encarar meus medos, ser a protagonista.

curioso, porque os dois livros que li recentemente falam sobre isso. ser a protagonista. e também minha psicóloga falou exatamente sobre isso nas últimas sessões. eu preciso ser protagonista da minha própria vida. 

mas eu prefiro dormir. mergulhar loucamente em outro universo, outra vida, onde tenho outro rosto, outro gosto e outra personalidade. nesta vida que idealizo sou bonita, me reconheço e amadureço, sou corajosa e destemida e sou despertada para uma vida perfeita de amor. 

talvez eu não devesse ter passado tanto tempo trancada. trancada dentro da minha cabeça, dentro do meu quarto, dentro da parede que criei do lado da cama para fugir das brigas lá fora. agora para sair a passos largos para fora é complicado, doloroso e agonizante.

espero um dia nunca mais deixar de me reconhecer, de me amar. espero nunca mais sentir essa coisa louca de me perder de quem sou. de não me encontrar. 

talvez essa coisa sem nome deixe de existir algum dia.


terça-feira, 18 de julho de 2023

terceira década.

semana que vem o calendário vira de novo. 

as vezes penso se nunca conhecerei todos os pontos turísticos que tanto vejo em fotos, penso também se meus pés vão me levar a novas culturas, se meu paladar vai provar novas comidas. daí penso também quanto tempo falta para eu realizar meus sonhos? 

esse ano, por incrível que pareça, estou calma. ano passado um turbilhão de tristeza me arrastava mais uma vez, bem nessa época do ano. nem acredito que sobrevivi. de novo. estou aqui. viva. e calma. 

quero ser tão melhor. tentei algumas vezes esse ano. falhei. mas não me martirizei dessa vez. aceitei a derrota com um sorriso. vivi bastante coisa até aqui. nesse ano. e creio ter me reencontrado de novo. é preciso coragem para voltar. abraçar sua calmaria e aceitar que é dela que você gosta. 

um dia cada um dos meus mais delirantes sonhos vai virar realidade. não sei como. mas desde de criança algo sempre me disse que ia ser real. 

que essa nova década que se inicia semana que vem seja o começo da realidade que almejo. não quero desistir. 

não dessa vez. 


quarta-feira, 10 de maio de 2023

trinta.

 por muito tempo isso me assustou. e ainda assusta. isso de envelhecer. me paralisa, enlouquece, dá vontade de chorar. 

isso. 

de envelhecer. o calendário vai virar de novo e não há nada que eu possa fazer. farei trinta anos. penso na garota magricela de olhar triste e tantos sonhos que fui. a certeza no peito que tinha coisa boa vindo nessa vida. a certeza que aos trinta não haveria um pingo de problema emocional ou financeiro. penso na garota invisível que todos pensavam ser muda na escola. penso na garota que fez calos nos dedos de tanto escrever. penso na garota insegura, estudiosa, leitora, romântica e sempre doente que fui. penso nela e peço perdão por ter odiado tanto ela. peço perdão a ela, porque, por odiar tanto essa garota não deixei ela viver aquela época. ela viveu aqui no futuro e não viveu nenhum pouco do seu presente. ensinei à ela as piores coisas. como se odiar. 

hoje talvez ela estivesse decepcionada comigo. espero que nessa virada de calendário eu possa fazer ela se orgulhar e realizar sonhos, me tornar melhor, ser melhor. amar. eu. ela. a mulher do espelho que parece tão cansada diariamente. 

espero respirar outros lugares. espero que só esse ano eu consiga não deixar o peso do aniversário me engolir. principalmente esse ano. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Hipérbole

Anseios febris inflam meu peito

Em agonia, devoram minha inércia 

Mastigam minha sanidade 

E regurgitam minha angústia 


Desde criança esse incômodo doente 

Em riste um nariz ao teto 

Pedindo direção divina 

Pobre criança se julgava especial 


Demonizando falhas, suas falhas 

Insatisfeita pela inexistência imposta 

Ah, se houvesse mais dias frios e com sol

Ah, se a criança se perdoasse, finalmente