terça-feira, 24 de setembro de 2024

porta

(...) devagar abriu a porta de casa e sentou na cadeira posta na calçada.

puxou seu baeta para cobrir os olhos e fingiu cochilar, mas com rabo de olho observou a viúva passando com seu rebolado. 

"êtaviuvaboa"

"o que disse seu velho?"

"é uva da boa" — emendou com uma risada. 

"tome tento, seu João" 

sorriu e voltou a encostar a coluna na parede. de longe avistou sua menina:

"vá tomar banho. se arrumar, ficar bonita. hoje o pai vai te levar para passear, minha menina"

e ela foi saltitante pra dentro de casa. e sorriu de novo. hoje não teve vontade chorar. 

o velho pai da menina não se trancou. não chorou. não assustou a menina. estava tudo bem.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

estou sempre com medo de estar perdendo algo lá fora.

constantemente estou atualizando redes sociais, buscando informações, buscando entretenimento, saber o assunto do momento, estar disponível para ler, interpretar, criar opinião. ocupar minha mente. o tempo ocioso é recriminado; a inércia não é aceita. preciso estar em movimento. preciso? 

dormi tarde demais. erro. acordei tarde demais. erro. fiquei 53 minutos parada sem fazer nada. erro. não aproveitei cada segundo do tempo livre. erro. não me atualizei, erro. fechei o aplicativo. erro. não abri o aplicativo. erro. 

mas será que realmente eu preciso estar tão conectada? tão aflita com o que anda acontecendo no mundo? na esquina de casa, na roda de conversas ao lado, na mente das pessoas?

como uma erva daninha o relógio incita minha ansiedade por mais. movimento. constante movimento de que "vai acabar e você não aproveitou", mas acabar o que? seus dias, seus anos, sua juventude, sua saúde, seus planos, sua expectativa de vida. 

respira. respiro. concordo com o ato de desconectar minha mente só um pouquinho. só um pouco antes que tudo vire uma máquina de moer cada resquício da minha sanidade.